Miguel tem origem judaica e não judaica. Desde seu nascimento eu e o pai nos preocupamos com os ritos e lendas que seriam passados a ele. Embora eu tenha admiração pela cultura judaica, acordamos que cada um ficaria encarregado de transmitir sua cultura, sua crença e assim vimos seguindo.
Acontece que na família do pai há um rompimento com caráter religioso da tradição e todas as festas e comemorações tendem a um lado histórico e laico.
Ao longo dos anos em que compartilho estas datas com eles, percebi um processo de afastamento com a origem cultural. Claro que após o falecimento dos parentes mais idosos e antigos na tradição, é natural que ocorra um ajuste na forma de transmitir sua história. Mas o que presencio é triste pra mim, me parece um esfacelamento das relações com a história.
Posso estar sendo exagerada, mas eu vejo pelo lado do meu filho. A maior parte do que ele sabe aprendeu comigo e eu não sou judia. Se eu não entender posso passar alguma interpretação desviada, errada, sabe? Esta não deveria ser uma preocupação minha.
Há algum tempo atrás ele ouviu de uma pessoa próxima que só é judeu quem nasce de barriga judia, ele me perguntou se eu era judia e eu disse que não. Penso, logo existo. Minha mãe não é judia, logo eu tão pouco. Este assunto está encerrado para ele, mas não pra mim. Eu e meu marido ainda gostaríamos que ele tivesse contato com a história da origem da família, por outro lado não me cabe esta tarefa. E daí vai o sentimento de esfacelamento ao qual me referi.
Ainda me lembro das festas da minha infância onde histórias eram contadas, ou inventadas (não importa), mas eram aos poucos gravadas em mim. Faço com o Miguel a tradição de contar e reinventar histórias sobre as minhas crenças, e nestas, ele acredita e segue, e com certeza dará continuidade, mesmo que seja da forma e à maneira dele.
O importante é que os laços se mantenham, e que ele possa reconstruir os passos de sua ascendência, e construir sua história que é tão bonita. Espero que ainda tenhamos tempo de apresentar a ele opções de visão de mundo, de construção e percepção de realidades. Afina, ele não é filho de chocadeira, e a história da nossa origem é parte de quem somos e de quem queremos ser.
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