Como tudo começou?

Enquanto revia vídeos e fotografias do meu pequeno de 4 anos (hoje com 7), que teima em crescer mais rápido do que eu consigo acompanhar, aproveitei para reler os diários que fiz desde a gravidez aos dias de hoje sobre cada momento (que julguei importante, essa ideia eu tive com a minha sogra que até hoje guarda escritos sobre fofurices do meu marido quando criança) registrado para que as trapaças da memória não as apagassem.


Foi neste caminho de reviver o passado que me descobri saudosa e percebi que precisava compartilhar as lembranças antes que esmaecessem sob a luz do dia a dia. Então, resolvi que postaria para amigos, familiares e outros curiosos do mundo pedaços desta minha vida, e ainda de lambuja deixar para o meu pimpolho histórias sobre ele mesmo para que um dia leia e sinta como foi esta jornada de chegar ao mundo e traçar seus próprios caminhos.


Espero que gostem e se emocionem um pouco, assim como eu ao revisitar minha história, e se entusiasmem para fazer uma visita à história de vocês.
Sejam bem vindos às "histórias sobre meu filho".

terça-feira, 29 de julho de 2014

Pesadelos: a voz da psique



Noite passada Miguel acordou agitado e pediu ao pai para ir a seu quarto para fazê-lo dormir novamente. Depois que retornou para cama, Miguel levantou-se mais uma vez, então eu fui coloca-la na cama, algo que não acontece nunca, por preferência dele mesmo.

Enquanto o arrumava para deitar, ele reclamava que eu não ia me demorar no quarto e que ele não iria conseguir dormir. Pediu para acender a luz do abajur e de repente começou a chorar, um chorinho leve, quase sem lágrimas, mas sentido. Perguntei o que estava havendo já que isso não era possível àquela hora da madrugada. Então ele disse que estava com medo de dormir e não conseguir abrir os olhos por conta do pesadelo. Pedi a ele para me contar que isso faria com que o medo passasse, mas ele disse que não, que seria o oposto, que não poderia me contar.

Fui eu então contei a ele sobre meu pesadelo recorrente, não de criança, já de adulta, eu vivia a fugir de um palhaço com capa, garras e destes de tubarão. Até que um dia, no meu sonho, eu parei de correr e fui na direção do palhaço gritando bem alto (nesta hora o Miguel riu). Depois deste dia nunca mais eu tive este pesadelo, porque eu enfrentei o meu medo, o meu monstro. 

E assim ele me contou, que o pesadelo dele era um homem muito feio com cara de monstro que entrava dentro do corpo dele, tal como um fantasma, e o fazia fazer coisas que ele não queria, tomando conta da vontade dele, e quando ele queria abrir os olhos para acordar, não conseguia. Fiquei tão chocada quando ouvi este relato porque na hora me lembrei do filme Twin Peaks em que a trama se passava com um espírito (Bob) que invadia o corpo da personagem principal e a fazia ser uma “menina má”, até hoje eu tenho medo de me olhar no espelho e ver outra pessoa dentro de mim, e de repente o pesadelo do meu filho e um medo que eu mesma tenho.


Engoli meu próprio desalento e assumi meu papel de mãe. Falei para o Miguel que ele poderia enfrentar o monstro dele também. Que não existem fantasmas que entram no corpo da gente e que a casa dele é protegida. Mas se ele quisesse poderia solicitar a proteção das bisas Betinha e Lula que estavam no céu dos anjos e poderiam protegê-lo. Ele disse que elas não poderiam voar do céu até a terra e que ele teria que enfrentar o medo sozinho.

Fiz um feitiço de proteção de mãe, dei boa noite, o cobri e saí do quarto. Eu estava aterrorizada, pelos meus próprios fantasmas.

No dia seguinte comentando o ocorrido com a Vovucha, ela se espantou com a forma com a qual ele traduziu em seu inconsciente as dificuldades que vem enfrentando, tentando ser um bom menino, evitando pensamentos ruins que o fazem agir de maneira não adequada, bagunceira e por vezes pirracenta. 

Seriam estes pensamentos “maus” o vilão do pesadelo do meu filho? Miguel conseguiu ouvir o que sua psique está tentando lhe falar, que existe algo dentro dele que o faz agir sem o seu controle. Será que estamos tentando controlar (ou seria socializar? adestrar? castrar?) a natureza inocente da criança, a ponto de fazê-la escapulir à noite? Até que ponto temos que seguir regras e até que ponto que ouvir nossos corações? Por que o que é selvagem/natural/fora de controle tem que ser interpretado como mal ou perigoso? 

Não tenho respostas... que venha a próxima noite.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Eu queria ser um gatinho



Miguel acordou pela manhã chorando e resmungando que não queria voltar para escola hoje. Queria ficar em casa comigo, porque eu ainda estou de férias. Louvável.

Às 7:30 da manhã estávamos sentados no sofá da sala conversando sobre os porquês de ir à escola: 


  1. Na escola não pode ficar brincando o tempo inteiro. É verdade na escola tem uma hora para a brincadeira e uma hora para a sala de aula. Mas na sala de aula tem jogo de tabuleiro? Tem. Na sala de aula de invenção de histórias? Tem. Na sala de aula de passa anel? Tem. Na sala de aula tem forca? Tem. Na sala de aula tem adivinhação? Tem. E isso tudo é o quê, não são um monte de brincadeiras? (Ele deu uma risadinha sem graça e disse que isso não valia, ele queria dizer que tinha pouco pátio). Ah...  Mas tem brincadeira na escola.  
  2. Ele não queria aprender matemática. Enquanto eu batia palmas de forma cadenciada, falava como a matemática está presente em tudo na nossa vida, em especial em algo de que ele gosta muito, a música. E que se não acredita em mim que pergunte ao professor de música. E que a matemática também serve para nos ensinar a contar o dinheiro do cofrinho que ele está juntando para ir à Disney (arranquei um sorriso dele).
  3.  E o mais importante. Uma coisa que ele vive me perguntando como eu sei e ele não. A escola é importante para nos ensinar a ler! Como ele vai aprender a ler os livros e gibis dele sem ir à escola? A professora tem feito um monte de brincadeiras com letras e logo ele vai estar fazendo as junções sozinho, sem nem perceber. Mas para isso precisa ir para a escola.


Passada a crise inicial, começamos o dia. E o dia passou bem até a hora do banho, quando Miguel disse que queria ser um gatinho.

Perguntei por que ele queria ser um gatinho, e ele respondeu que era porque ninguém brigava com os gatinhos. Eu disse que não era bem assim, que eu brigava com todos os nossos gatinhos, principalmente quando eles faziam bagunça. E que achava ele parecido com o Leopoldo (nosso filhote).

Miguel começou a chorar copiosamente, de uma forma que eu nunca vi antes, me assustou. Quanto mais eu tentava consola-lo, mais ele chorava e se jogava no chão do banheiro. Levou um tempo para eu entender.

Ele queria ser um gatinho porque eles são fofinhos e ninguém briga com eles, quando eu disse que brigava com os gatos e o comparei com o mais levado ele achou que eu estava dizendo que ele era levado. Foi aí que eu entendi o quanto sua autoestima está abalada, provavelmente pelas idas à coordenação da escola, na tentativa de se adaptar a um novo conjunto de regras. 

Tentei lembra-lo de como é um menino bom e doce, e de que todos erramos, mas somos feitos de muitos mais acertos que erros. Lembrei da história do ponto preto na folha branca. Pra que só olhar para o ponto preto, e o resto da folha branca?
Por último disse que sabia que tinha alguma coisa dentro dele que ele não sabia nomear, dizer o que era, e que estava incomodando e que toda vez que esse sentimento aparecesse era para ele vir no meu colo e me abraçar. Neste momento ele me abraçou e beijou, e começou a se acalmar.