Como tudo começou?

Enquanto revia vídeos e fotografias do meu pequeno de 4 anos (hoje com 7), que teima em crescer mais rápido do que eu consigo acompanhar, aproveitei para reler os diários que fiz desde a gravidez aos dias de hoje sobre cada momento (que julguei importante, essa ideia eu tive com a minha sogra que até hoje guarda escritos sobre fofurices do meu marido quando criança) registrado para que as trapaças da memória não as apagassem.


Foi neste caminho de reviver o passado que me descobri saudosa e percebi que precisava compartilhar as lembranças antes que esmaecessem sob a luz do dia a dia. Então, resolvi que postaria para amigos, familiares e outros curiosos do mundo pedaços desta minha vida, e ainda de lambuja deixar para o meu pimpolho histórias sobre ele mesmo para que um dia leia e sinta como foi esta jornada de chegar ao mundo e traçar seus próprios caminhos.


Espero que gostem e se emocionem um pouco, assim como eu ao revisitar minha história, e se entusiasmem para fazer uma visita à história de vocês.
Sejam bem vindos às "histórias sobre meu filho".

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Mito da Caverna

Não é de hoje que Miguel vem me perguntando sobre se o que passa na televisão existe ou não. Se as pessoas que aparecem são reais ou não. Perguntas um tanto estranhas para nós que estamos tão habituados este entendimento são bastante pertinentes para um menino de 4 anos e 8 meses que começa a perceber que as coisas não como parecem ser.

Quantas vezes vemos um filme ou desenho em que aparece uma cena de susto e dizemos para ele não ter medo que aquilo não é de verdade? Mas agora ele já começa a reconhecer que o mesmo ator de Star Wars fez Indiana Jones, então que não é real? 

Ele começa a nos perguntar se "aquela pessoa" (um ator qualquer) existe fora de um filme. O conceito de ator e personagem começa a se tornar palpável e menos abstrato. Mas e o jogo de futebol? A poucos minutos me perguntou se o jogo que víamos na TV era de verdade. Tentei explicar que sim, que o jogo estava acontecendo no bairro "tal" naquela mesma hora em que víamos na TV e que poderíamos encontrar aqueles jogadores se fossemos ao estádio. Bizarro!

Não pude deixar de pensar que Miguel do seu jeito infantil, até mesmo arcaico, começava o desvendar do mito de sua caverna da Platão. Aquela história sobre as pessoas que viviam na caverna sem nunca sair e achavam que as sombras que se projetavam ao fundo da caverna eram a realidade e não a vida que se passava lá fora. Seu questionamento sobre o que existe dentro e fora da TV é o desvendar do véu do nosso mito do que é real, imaginário, palpável, sonho, enfim do que é a vida. Ainda de forma rudimentar ele experimenta, arrisca, e junta as peças deste quebra-cabeças que é a vida humana. 

Acho simplesmente lindo que ele tão pequeno já carregue consigo a semente da inquietação, do questionamento do saber. Só me faz amá-lo ainda mais e querer fazer parte do seu caminho de descoberta. Quem sabe eu ainda não tenha alguns véus a desnudar?


Para vocês o mito da caverna na versão do Maurício de Souza, já que estamos falando de crianças...




sábado, 22 de fevereiro de 2014

Tirinhas do Armandinho

Lendo no facebook as atualizações do dia, me deparei com a publicação do Armandinho do Alexandre Beck, vocês conhecem? São tirinhas em que o protagonista principal é um menino, talvez de uns 6 ou 7 anos. Ok, se vocês sabem o que é. 

Cada história é mais hilária que a outra, e achei tudo meio a cara do Miguel.

Entrei na página do Armandinho (https://www.facebook.com/tirasarmandinho/) e fiquei lendo, não pude deixar de curtir uma sobre a volta às aulas, esse momento tão dúbio que vivi recentemente com meu filhote, não só porque voltávamos das férias mas também estávamos trocando de escola.

Acho que o Armandinho captou muito bem o sentimento do Miguel daqueles dias. Para vocês, Armandinho/Miguel:


sábado, 15 de fevereiro de 2014

Estavo x estava

Claro que à medida em que vai crescendo o vocabulário do Miguel vai crescendo com ele. 

Por morarmos no Rio ele fala cheio de trejeitos e gírias tipicamente cariocas como "relaxa", "não estressa" e "caraca", o que não alto do seu metro e dez e quatro anos e meio fica extremamente engraçado.

Em relação à fala regular ele está bem articulado e utiliza palavras difíceis e às aplica corretamente nos mais variados contextos.  Apenas algumas conjugações verbais e pronomes ainda são difíceis para ele. 

E hoje ele conseguiu e aprendeu e não fala mais "eu estavo", e sim "eu estava". Por mais fofinho que fosse tínhamos que insistir que ele corrigisse falar corretamente. Passado este obstáculo, vamos ajustar os pronomes e voltar a estudar junto com ele.

Nosso segredo

Outro dia Miguel me ouviu comentar com outra mãe que eu sempre quis ter uma menina. Veio me perguntar se eu não o queria. Tive que me desdobrar para explicar que não era bem assim, que eu sempre o quis, mas quando estava grávida achava que teria uma menina porque minha família só tinha mulheres, e eu achava que seria mais fácil.

Um dia ele vai ler estas palavras e entender a verdade. Eu sempre o quis e o desejei, mas no início eu queria uma menina, exatamente pelos motivos acima. Quando eu soube que teria um menino eu chorei, de decepção nos primeiros 30 segundos, por que não compraria vestidos floridos ou bolsinhas (pensamento bem fútil, eu queria brincar de boneca) e de medo na meia hora seguinte (eu temia pela responsabilidade de criar um menino que na minha imaginação sempre foi maior que criar meninas, hoje acho que é igual).

De fato não tenho personalidade para ser mãe de menina, as coisas acontecem como tem que ser. E logo fui me adaptando à idéia de ser mãe de um menino e construindo nossa relação edipiana desde o útero. Nunca tive paciência para conversar com a barriga (quantas coisas nos impõem que nos afligem durante a gravidez e maternidade, eu queria ser livre), mas subi em árvore com um barrigão de 7 meses porque queria que ele tivesse uma mãe maneira, mãe de menino. E imaginava nós dois brincando de bola e andando de mãos dadas. Na verdade até hoje consigo imaginar meu Miguel já grande e barbudo dançando comigo já bem mais velha, sempre sonho em como ele será para sempre meu companheiro, meu príncipe, nunca sonhei com um bebê.

Escrevi numas das páginas do meu diário da gestação uma lista de qualidades e adjetivos que desejava que a personalidade-alma que iria assumir meu filho pudesse ter, como seu pudesse moldar não somente seu corpo físico que eu gerava em minha barriga, mas seu ser psíquico também. Então se eu pudesse responder ao Miguel novamente, eu sempre o desejei, mesmo ele não sendo o que eu achava que eu queria, porque somente ele sendo o meu menino, ele poderia me complementar e me desafiar como faz todos os dias.

Se eu tivesse uma menina talvez essa brincadeira de ser mãe não estaria sendo tão louca e maravilhosa como a que esta por estar ao lado do meu Miguel.


Ele pode até pedir ao pai para colocá-lo na cama a noite para dormir ou uma “colher de chá” para ir ao colo na rua, e eu posso até ser muito dura com ele às vezes (muitas talvez), mas o que temos vem de longa data, de outras dimensões e de muitos anos, e essa experiência nos pertence tal qual um segredo particular, podemos até contar para vocês, mas só tem graça mesmo para nós dois.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Ainda fazendo adaptação…

Temos que ter uma grande dose de paciência para não punirmos os pequenos por aquilo que eles ainda não têm capacidade de compreensão, simplesmente porque é mais fácil para gente.

A sensação que tenho é de que o limite entre o entendimento e sensibilidade deles e sua capacidade de nos manipular é uma tênue linha pontilhada capaz de se esvair e tornar meu dia completamente desgastado e cansativo. Da mesma forma que a fase de adaptação é um período emocionalmente estressante para os pequenos, é um tempo de muita irritação para os pais. Tudo o que queremos é que as crianças se adaptem à nova rotina e nos deixem seguir adiante.

Há pouco mais de um ano passei por um processo de adaptação semelhante porque mudei de emprego, em parte eu queria, em parte fui forçada, mas o que importa é que me vi diante da situação de ter que construir novas relações a partir do nada. Ninguém me disse que minha mãe ou um antigo colega do ex-trabalho deveria participar da adaptação comigo durante alguns dias, até que eu me sentisse familiarizada. Ninguém no meu local novo trabalho se preocupou em me fazer enturmada me chamando para um almoço ou café, muito pelo contrário, tive o azar de ingressar numa empresa cujo ambiente é extremamente hostil com os novos.

Espera-se que um adulto saiba lidar com esse tipo de situação com a mesma facilidade com que se troca de roupa. Mas a verdade é que o ser humano é avesso às mudanças. Por mais adaptáveis que sejamos sempre iremos preferir mais do mesmo (salvo algumas exceções).

Voltando à adaptação do Miguel à nova escola, todo o ambiente escolar foi preparado para a chegada dos novos alunos, independente da idade, mesmo que nas primeiras semanas a turma tivesse que dar uma pausa na programação. O cuidado com o coração e mente destes pequenos, o carinho com o qual foram recebidos, tudo isso só me leva a crer que estamos moldando adultos mais bem preparados para os desafios e “ambientes hostis” do futuro, sim, porque a vida, o mundo, não é cabinha montada no centro do quarto, e por mais que queiramos estar e sejamos presentes, não poderemos “dar colo” para o resto de suas/nossas vidas.


Hoje o combinado foi que eu não entraria na sala de aula, até agora tudo bem, estou aqui do lado de fora, contando o tempo que não passa. Esperando que ele esqueça que tem mãe, pelo menos pelas próximas 4 horas. (Ele já veio conferir seu continuava aqui 4 vezes em meia hora, afe! Até parece que nasceu colado comigo).

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Farpas

Farpas

Neste calor carioca de 40° com sensação térmica de 50° é impressionante como o verde da grama rapidamente se transforma em marrom seco, amarelado. As folhinhas aguadas se transformam em espetos duros, cortantes, farpas.

Nesta nova paisagem que se instaurou no Rio de Janeiro, fomos encontrar nossos queridos amigos no Aterro do Flamengo para uma manhã de brincadeiras, desenhos a giz no asfalto escaldante e corridas de bicicletas.

Nunca vi que eu me lembre uma criança de quatro ou cinco anos que conseguisse ficar calçada com os pés suando, enquanto a brincadeira corria solta, por entre árvores e amigos. Neste cenário pitoresco, uma, duas, três crianças conseguiram o feito de furar seus pequeninos e delicados pezinhos com as farpas feitas de gramas secas.

Na mesma hora consegui retirar duas farpinhas dos pés do Miguel. Ele paradinho, pernas esticadas, aguardou o feito e pronto! Porém, quando chegamos em casa, um pontinho preto, escondido sob a pele, disfarçado, era um restinho da farpa que não tinha sido muito bem retirado.

Começou então a operação “retirar farpa”. Tudo ia bem, puxa daqui, estica dali, não estava sentido nada, apenas aquele insistente pontinho preto que teimava em se firmar na planta do pé do meu filho. O problema começou quando, ao não conseguir o incômodo intruso, o pai falou sobre uma ida ao hospital para remover a farpa. Pronto. Começou o chorou até então inexistente. Miguel é super resistente a dor e ferimentos mas se tem três coisas que o tornam uma maria-mole são: sangue no machucado, injeções (anestesias, vacinas, etc.) e a possibilidade de ir ao hospital. Essas coisas fazem do Super Miguel virar o Clark Kent sem poderes, são a kriptonita do meu filho.

Daí em diante ele chorava, babava, apertava a mão do pai, e dizia para meio a voz lacrimosa:

- Você tem que conseguir.

- Mas está doendo, meu filho? – eu perguntava.

- Sim, mas você precisa conseguir, mamãe. – e apertava a mão do pai, ou mordia uma toalha. A possibilidade de ir ao hospital era mais insuportável que o sofrimento diante do qual estava diante.


Catuquei, espremi, cortei, furei, e nada. Acho que era só uma sujeira no pé. Acabou que o pé (e meu pequeno) ficou traumatizado. Mas o sorriso no rosto do Miguel quando coloquei o Band-Aid das Tartarugas Ninjas era imenso, porque não importava o latejar na sola do pé, o importante é que não tinha sangue, nem injeção, nem hospital.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Agradecimentos

Na hora do almoço fui depois de fazer o prato do Miguel com um cardápio mais arrojado para o paladar dele (carne moída com pimentão e suflê que eu não revelei o sabor para não afugentá-lo da experiência, mas era de chuchu, igual minha mãe fazia para mim quando eu era criança). Ele topou comer por conta do aroma, enquanto intercalava uma colherada com um gole de mate com limão, comecei a contar as coisas que eu havia comprado para ele no hortifruti: sucos, frutinhas, salmão, etc. 

De repente ele me pede para colocar o talher sobre o prato e fala para eu esperar um pouquinho. Ele me abraçou e beijou e disse: 

-Obrigado por tudo isso.

Eu não ouvi bem, ou não entendi e pedi para ele repetir. Mas o que eu tinha feito? Agradeci meio sem jeito, até envergonhada, eu nunca agradeci minha mãe pelos bolos de chocolate ou canela, pastelões ou biscoitos que ela dividia entre mim e me irmã partindo o pacote ao meio com uma faca. 

Não sabia se continuava a dar o almoço ou corria para chorar. Só consegui responder com um embargado...

- Eu te amo.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Adaptação: nova escola

Na última segunda-feira tivemos uma reunião de pais na nova escola do Miguel para falar do esquema da adaptação dos novos alunos. Enquanto a psicóloga falava, minha mente girava num redemoinho ainda pensando naquela palavra "adaptação". No meu plano de trocar ele de escola eu havia pensado em praticamente tudo, mas em momento algum me passou pela cabeça que ele teria um tempo para se adaptar à condição de novo aluno, à nova escola e tudo o mais que a tal psicóloga continuava a falar. Muito menos que ele estaria "proibido"a frequentar o período integral.

O meu esquema foi pelo ralo, e rapidamente, como numa daquelas cenas de Sherlock Holmes eu tentava antever a jogada do meu adversário para poder bolar um plano B e C para poder tratar este, digamos, impasse.

Cheguei em casa ainda aturdida de tantas informações e com a tarefa de no dia seguinte negociar com meu chefe um horário flexível pela próxima semana e meia, com a esperança de que meu filho cairá em si e abraçará aquela escola como a outra.

Revivi dentro de mim a primeira adaptação na creche quando as berçaristas no terceiro dia tiraram meu bebe de 5 meses dos meus braços e disseram "Mãe, hoje ele pode ficar sozinho 3 horas". Minha reação foi pegar um ônibus até a Tijuca para fazer compras no Guanabara. Eu sequer olhei para trás, afinal eu só tinha 3 horas.

Hoje foi o primeiro dia de aula/adaptação dele. Mas um imprevisto e nossa empregada (braço direito de todas as horas) não pôde vir, então fiquei em casa com ele na parte da manhã para poder introduzi-lo na nova escola à tarde. 

A manhã passou lenta, como se dividíssemos a ansiedade do que nos aguardava na parte da tarde. Não pude dar muita atenção a ele pois precisava adiantar meu trabalho de casa mesmo. Mas percebi nele uma certa euforia e decisão, chegou até a falar que iria sozinho na rua. 

Deu a hora e  fomos indo, alegres, caminhando pela rua. Miguel insistiu para carregar sua mochila, queria se mostrar ainda mais independente agora iria para o grupo 5 (pré-alfabetização). Mas quando chegamos em frente ao portão, ele não resistiu, virou-se para mim e disse que estava triste. Meu coração já em frangalhos fazia um tremendo esforço para não se partir, afinal eu sou a adulta da relação e tenho mais condições de suportar este tipo de situação, tentei encoraja-lo e entramos. Ele foi indo bem, porém empacou à porta da sala, me fazendo entrar com ele.

Daí para frente foi tudo muito estranho. Eu tive que participar com ele, por mais que eu quisesse me fazer invisível, porque sei o quanto a minha presença faz com que ele se torne vulnerável e tímido, mais até do que quando está com o pai. 

Me emocionei, a ponto de ficar com um bolo na garganta, com o relato daquela professora tão doce e gentil controlando a turma de 22 feras, e dando-lhes as boas vindas a uma turma mais velha. Ali, eu achei que teria que sair da sala para chorar, mas me segurei. Tentei fazer com que o Miguel explorasse a escola com a turma, assegurando a ele que eu não iria embora de jeito nenhum. Na hora do recreio ele ainda brincou (sozinho) mas logo se enrolou no meu colo, em posição fetal, e apesar de todos os esforços das professoras para induzi-lo e introduzi-lo ao grupo, ele a todo momento se referia à antiga escola e amigos.  

Ele resistiu até a hora do lanche (até serviu de ajudante, servindo os pratos a todos), no entanto pediu à professora que o liberasse, e por volta das 16h voltamos para casa, com a promessa de voltarmos amanhã. Já na saída do portão ele se virou para mim e disse: "Eu até gostei desta escola". Dá para entender estas crianças?

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Férias!!!

Aquela famosa cena de mulheres queimando sutiãs em praça pública, na década de 1960, representando a liberdade das amarras da opressão masculina, foi seguida por uma série de mudanças na relação entre os sexos ou, o que passou a ser política e academicamente correto, gêneros. Cada vez mais donas de seu corpo, escolhendo usá-lo como parque de diversões (seu e de outros) ou fábrica de laticínios, escolhendo entre a carreira profissional ou o papel integral de mãe ou equilibrando as duas funções, as mulheres deram seu grito de independência da claustrofobia familiar e do estereótipo da parideira ajudadas pelo surgimento do leite em pó, dos potes de papinha Nestlé, das pílulas anticoncepcionais, das creches em horário integral. E, para aquelas com um desejo incontido de ter filhos, a inseminação artificial substituiu a necessidade de um parceiro fisicamente presente para cumprir o papel que se espera dele, na visão dos antiquados: garanhão. A ciência praticamente relegou os homens a um apêndice da identidade feminina. Na verdade, houve uma redefinição de papéis, seja no interior da família nuclear e extensa, seja no mundo do trabalho. Décadas depois de iniciada esta revolução de costumes, as mudanças bateram à minha porta.

Pela primeira vez, nosso filho ficou um mês em casa nas férias de verão. Até então, frequentava a colônia de férias oferecida aos alunos do horário integral, mas, como decidimos mudá-lo de escola, e nesta nova escola não há atividades no mês de janeiro, ficamos rendidos, sem saber o que fazer. Nossa empregada doméstica (ou “secretária”, para os hipócritas de plantão), faz a visita anual à família no nordeste neste período. Combinamos com os avós que cada lado, materno e paterno, ficaria com Miguel por uma semana, na segunda quinzena do mês; na primeira, o pai, eu.

Tentei estabelecer uma rotina, facilitando a organização das atividades diárias, ajudado pelo calor inclemente que assola o Rio de Janeiro desde o final de 2013, com temperaturas passando facilmente os quarenta graus. Depois do café da manhã e de um pouco de desenho animado na televisão, por volta de nove, nove e meia da manhã, saíamos de casa rumo à piscina do condomínio de minha sogra, num dos ônibus que passam pelo Flamengo rumo à Gávea, parando religiosamente na padaria na esquina da rua para o abastecimento de bebidas, invariavelmente as mesmas (suco Ades de uva e Guaraviton). Sempre um dos primeiros a chegar à piscina, por volta de dez horas, ficávamos até próximo de meio-dia, período em que praticamente não saíamos na água, mais por insistência do Miguel, cuja energia parece inesgotável. A caminho de casa, ainda era coagido a comprar um brownie (ok, é o melhor brownie da cidade, apesar da facada de R$ 9), sob a falsa alegação de que era “para a mamãe”.

Chegando em casa, íamos direto para o banho. Banho tomado, Miguel, de cueca, corpo bronzeado, um autêntico “menino do Rio”, aguardava o pai preparar o almoço. Na verdade, preparar é um exagero. A caminho de casa, na volta da piscina, nos habituamos a parar num restaurante de comida caseira, saudável e saborosa (sim, é possível ser saudável e saboroso), onde levávamos sempre uma quentinha bem fornida de arroz integral, feijão vermelho ou carioquinha, peito de frango a milanesa (tá bom, menos saudável...) e legumes refogados. Na cozinha, meu trabalho era unicamente colocar um pouco de cada coisa no prato de gente grande e fazer o suco de caju ou abacaxi e chamar Miguel para a cozinha, onde o almoço passou a ser dado, vitória dos pais sobre a concorrência quase desleal dos filmes da Disney ou Dreamworks. Meia hora depois, era a minha vez de comer.

A parte da tarde era um desafio. O que fazer nestas tantas horas de ócio? Bom, por mim, seria ócio, mas com uma criança de quatro anos e meio em casa, ativa, tal palavra é uma blasfêmia. Antes das cinco e meia, seis horas da tarde, era insalubre estar fora de casa, a menos que fôssemos ao cinema ou ao shopping (na verdade, esta não era uma opção, odeio shoppings). Passamos muitas tardes destas duas semanas alternando várias atividades. Vimos os desenhos animados favoritos dele, normalmente mais de uma vez, ou uma vez, mas repetindo determinadas cenas várias vezes; lemos contos de fadas, procuramos objetos perdidos no livro dos piratas e no das Tartarugas Ninjas; jogamos futebol de botão e jogo da velha, que Miguel está cada vez melhor; jogamos jogos de cartas e desenhamos cenas bucólicas no quadro negro que ele tem disponível numa das paredes do quarto; brincamos de Bem contra o Mal, ele o Bem, eu o Mal, ele Luke Skywalker, eu Darth Vader; corremos pela casa brincando de pique-pega; fizemos corrida com os carrinhos do Hot Wheels. Miguel ainda é mal perdedor, precisa aprender que nem sempre terá os louros da vitória.

Da janela do meu quarto, vejo se já há um pouco de sombra na pracinha em frente ao nosso prédio e se o calor já está um pouco menos sufocante, se já há crianças brincando no balanço. Se sim, proponho ao Miguel descermos um pouco, sou sempre a favor de ficarmos o máximo de tempo ao ar livre. Raramente ouvi dele uma negativa, concordando em descer contanto que levasse consigo o skate e seus aparatos de segurança. Na pracinha, Miguel impressiona com seu equilíbrio em cima da prancha de madeira e já arrisca umas manobras radicais, pelo menos para sua faixa etária, acredito. Voltou para casa mais de uma vez com alguns arranhões, nada grave, faz parte do crescimento, antes autonomia, liberdade e vento na cara sem medo de ser feliz do que tolhimento, censura, excesso de zelo (diferente de falta de zelo, porque não somos pais irresponsáveis). Parte da programação vespertina: pipoca e mate com limão. Imundo, suado e feliz. Banho tomado, barriga forrada, pronto para receber o amor da mãe que chega de mais um dia de trabalho, exigindo carinho nas costas e nas pernas para embalar o sono, Miguel se prepara para dormir e recarregar as baterias para mais um dia de diversão.

Estava lendo outro dia o relato de um comediante sobre a experiência de ser pai. Num determinado momento, ele fala do “tempo-bebê”, conceito que explica a realidade ilusória para a qual parece que somos dragados neste momento de nossas vidas. Diz ele: “coisas que parecem estar levando uma hora, não estão. Certa vez fiquei tão orgulhoso por ter entretido meu filho com grande sucesso durante uma tarde inteira. Projetei e construí uma imensa fortaleza de bloquinhos, joguei uma partida disputada de ‘cadê-o-nariz-do-papai’ e narrei uma leitura comovente de Haroldo hipopótamo, para então olhar no relógio e descobrir que na verdade sete minutos tinham se passado”. Identifiquei-me integralmente com essa sensação porque, ao final do dia, depois de tanto brincar, tomamos consciência que foram apenas algumas horas de um dia foram preenchidas, e que no dia seguinte a partida começa do zero.

O roteiro descrito foi mais ou menos reproduzido ao longo das duas semanas em que estive a cargo do pequeno herdeiro, incluindo-se aí uma ida à praia Vermelha que normalmente está própria para o banho, mas que, naquele dia em particular, estava bastante suja (de lixo, não de esgoto), a areia e a água, frustrando nós dois. Também envolvi outros pais na mesma situação de “desamparo escolar”, recebendo o melhor amigo dele lá em casa pela hora do almoço e o devolvendo no final da tarde, dando uma folga para os seus pais.

Esse revezamento aconteceu duas vezes. Levei-os à “lojinha”, que é como eles chamam a locadora de DVDs, onde escolheram um dos desenhos do Scooby-Doo, e comprei o sorvete “de caixinha”, que os adultos conhecem como Eskibon, sorvete de creme coberto de chocolate que, nesta versão moderna, vem numa pequena caixa e em várias quadradinhos, facilitando a divisão e não melindrando nenhum dos interessados. Para provar, tenho fotos dos dois comendo civilizadamente o sorvete, sentados na mesa da sala, em menos de dez minutos. Brincaram a valer e, no final do dia, desceram para a pracinha em frente de casa.

Também com o mesmo melhor amigo, fui, com os pais dele, a uma exposição de dinossauros, num shopping center da zona norte da cidade. Fomos e voltamos de metrô e, apesar de o horário não ser de pico, o vagão foi enchendo e enchendo ao longo do percurso, o ar condicionado não conseguia dar vazão e, no final das contas, por incrível que pareça, estava mais fresco do lado de fora do que do lado de dentro. Isto num dia em que a sensação térmica no Rio de Janeiro deve ter se aproximado dos cinquenta graus. Para piorar, Miguel ficou com medo das réplicas (e olha que nem havíamos chegado ao Tiranossaurus Rex) e, cinco minutos depois de iniciada a visita guiada, tive de retirá-lo. Na volta, os dois vieram “tocando o terror” dentro do vagão, eu não sabendo onde enfiar a cara de vergonha. Mas o que Miguel curtiu mesmo neste passeio foi o cheeseburger com suco de uva do Bob’s...

Ao final das duas semanas, estava bastante cansado, embora feliz. Sabe quando a gente acaba de correr no calçadão, exausto, mas sentindo que o dever foi cumprido? É por aí. Era um misto de prazer por ter proporcionado ao meu filho momentos felizes e partilhado com ele estes momentos, simplesmente estar ao seu lado e saber que ele se sentia confortado e protegido, mas cansaço, menos físico que mental, é verdade, por conta da intensidade da relação concentrada em poucos dias.

Não ajudei minha esposa. Voltando ao início deste depoimento, digo que concordo com as transformações na relação entre homem e mulher, seja no espaço público ou no espaço doméstico. É ridículo pensar que o homem deve ser o único responsável pelo provimento da casa, e a mulher a responsável pela gestão doméstica; que o homem não precisa fazer a cama, lavar a louça, dar banho nos filhos, fazer as compras do mês ou levar os filhos ao médico; que a mulher não pode sair para tomar um chope com as amigas depois do trabalho. Eu fiz a minha obrigação. Sorte do Miguel, que tem pais tão modernos. Que venham as férias de 2015!

Comentário: Esse texto foi escrito pelo papai, cedi um espaço do blog para compartilhar mais esta aventura.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Ainda de férias

Recebemos Miguel de volta, após mais uma semana longe, agora na casa dos avós paternos. Nesta temporada houve um pequeno ajuste na rotina de vovô e vovó que nunca tinha ficado tanto tempo com nosso pequeno grande homem.

Na volta soubemos de algumas idas à pracinha para jogar bola, alguma broncas (essenciais nesta fase em que Miguel acha que é independente, mas ainda não chegou nem aos 5 anos), visitas à priminha.

Quando perguntamos ao Miguel o que mais gostou de ter ficado na casa da vovó ele respondeu “carninha com batata”.

Mas para mim o melhor foi à frase na hora de recebê-lo de volta dos braços dos avôs amorosos: “foi ótimo tê-lo com a gente, mas está sendo melhor devolvê-lo”. Hahahahah. Para mim foi ótimo deixá-lo ir e ter férias para mim...

Brincadeiras à parte, ele é uma criança dócil, amorosa, e muito esperta, mas às vezes exige tanta atenção que nos exaure a alma. E vovô e vovó não têm mais 5 anos... hehehe. Imagino a loucura que deve ter sido estar com ele e ainda cuidar da outra neta num dos dias em que ele esteve lá.


Por fim Miguel fez uma pequena queixa de ter estado apenas 5 dias na casa dos avós enquanto ficou 7 na casa da outra avó. Dizendo que ainda precisava de mais 2 dias, entendo que isso é bom sinal, certo? Ele quer voltar. Só resta saber se vovô e vovó vão ter disposição para correr atrás do pequeno turbo.