Semana de páscoa
sempre foi m período que me trouxe muito incomodo. Quando eu era criança,
insistiam comigo para comer peixe na sexta-feira, mesmo eu não gostando (hoje
eu gosto) e não permitiam que se tivesse outras comidas em casa. Lembro-me que
somente quando minha irmã, que tinha sérios problemas para se alimentar (só
comia arroz), começou a comer a lasanha, é que este prato foi permitido para
ela, mas eu ainda tinha que comer as batatas e legumes do bacalhau.
Aquela
cerimônia forçada, descasada de uma tradição que fosse coerente, (sim, porque
também não éramos religiosos o suficiente para guardar a tradição da sexta
santa de forma lógica, era mais uma desculpa para comer bacalhau) sempre me
desgostou. E quando chegava no domingo só
piorava.
Por incrível
que pareça, eu nunca fui fã de chocolate, até hoje me lembro daqueles horríveis
guarda-chuvinhas de chocolates com gosto de gordura hidrogenada que ganhávamos de
vez em quando, tinham um retro gosto que ficava preso nos lábios e fundo da
garganta e nunca mais ia embora. Eca!
Acho que era por isso que não gostava de
chocolates naquela época a oferta era mais limitada. A cara de decepção das
pessoas quando me presenteavam era o reflexo da minha própria, e aquilo era constrangedor.
Imagino o sacrifico que minha tia fazia para comprar ovos para os quatro filhos
e todos os sobrinhos e eu lá com aquela cara aborrecida.
Depois de um
tempo criei um jeito para fugir dos ovos, passei a só comer chocolate branco, e
não havia ovos de chocolate branco. Contentava-me com uma barrinha de galak, ou
uma balinha, mas ainda assim aqueles que me presenteavam pareciam sempre tão
frustrados quanto eu mesma.
Nunca entendi
esta necessidade de nos forçar a comer aquilo de que não gostamos, e como disse
antes, na minha família nunca houve uma forte tradição religiosa, na medida em
que pude escolher minhas próprias crenças, esta foi uma que abandonei de vez.
Mas os anos
passaram e minha inner child virou mãe. Descobri outras formas de passar as
festas santas, através dos olhos do meu filho, através da inocência da criança,
através da magia.
Enquanto fazia
os últimos acertos ligando do meu celular para o coelho da páscoa (é isso
mesmo, eu tenho ligação direta para o coelhinho, pelo menos na imaginação do
Miguel), convenci meu pequeno de que ganhar ovos não era tão bom quanto uma
cesta de guloseimas, afinal renderia muito mais. Na verdade os ovos estão caríssimos
e tenho certeza de que ele vai ganhar outras coisas de tias e avós.
Na sexta santa
entramos numa loja cheia de ovos de chocolate, apenas para cortar caminho até a
entrada que fica na outra rua, e fomos abordados por um menino negro e pobre,
que nos pedia para pagar um chocolate. A fila estava imensa e iríamos ficar
pelo menos 1h na loja, e tínhamos um pouco de pressa, mas aquilo acabou comigo.
Minha criança interior veio à tona com toda sua tristeza em relação a este
feriado. Na saída da loja havia mais crianças esperando que alguém lhes
comprasse chocolates. Eu comecei a chorar, primeiro porque não poderia comprar
para todas (nem mesmo tinha dinheiro comigo), segundo porque era injusto que
tanta propaganda fizesse com que as diferenças entre os que podem ter acesso e
os que não podem ficasse tão evidenciadas. Era apenas chocolate, algo que para
mim é tão cotidiano e que para aquelas crianças era um luxo.
Miguel não
entendeu porque eu chorava e comecei a explicar que o menino era pobre e a mãe
(se é que ele tinha) não tinha dinheiro para comprar chocolate para ele, e que
eu não poderia comprara naquela hora. E que ele deveria sempre pensar nas
coisas que ele tem, e entender quando eu disser não por algum motivo, etc.
Foi aí, neste
momento, que meu filho, após um segundo de silêncio, me perguntou:
- Mamãe, você
queria ser mãe daquele menino?
Eu hesitei
porque não sabia o que responder, e então resolvi dentro de mim. – Talvez, por
quê?
- Você podia
levar ele para casa, e ser mãe de nós dois.
O que ele
estava pensando? O que ele entendeu disso que havia acontecido? Será que ele
pensou que eu sendo mãe do menino resolveria a tristeza, ou a minha? Eu não sei,
somente posso conjecturar, mas que foi minimamente inusitado, foi.
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